Vivemos numa sociedade que rotula e polariza tudo, inclusive a forma como comemos. Agora estamos classificados como ‘veganos’, ‘carnívoros’, ‘crudívoros’, ‘onívoros’, etc. A sensação é que temos que escolher uma destas opções e seguir com ela pelo resto de nossas vidas, ou até decidirmos, com toda a coragem do mundo, mudar nossa etiqueta. Aí então você passa a fazer parte desta tribo e deves defendê-la a todo custo. Biologicamente falando, faz sentido pertencer a apenas uma tribo? Hoje, vamos estudar a evidência científica sobre os benefícios da dieta de alimentos crus e vamos te dar nosso ponto de vista.

Quando os alimentos são cozinhados, são submetidos a altas temperaturas e expostos ao ar, o que afeta a quantidade de nutrientes que contêm. Alguns nutrientes podem se degradar ou se perder quando os cozinhamos, enquanto outros nutrientes podem se tornar mais disponíveis. As vitaminas C e B (B1, B2, B3, B5, B6, B9, B12) são muito sensíveis ao calor e normalmente se degradam ao cozinhar (Gahler et al., 2003N.C. Igwemmar et al., 2013M. Kimura 1990). Um estudo descobriu que ferver, cozinhar no microondas ou saltear brócolos resulta numa diminuição de vitamina C de até 38%, perda de até 27% em clorofila e até 60% menos glucosinolatos (Gao-feng Yuan et al., 2009). Os glucosinolatos são compostos que ajudam a proteger nossas células dos danos causados pelos radicais livres (aqueles que nos adoecem e causam câncer). Os glucosinolatos têm um efeito semelhante ao dos antibióticos e ajudam a prevenir infecções bacterianas, virais e fúngicas nos intestinos e outras partes do corpo. Outros estudos também sugerem que os glucosinolatos podem reduzir o risco de certos tipos de câncer (C. Bosetti et al., 2012). Enfim… a ideia é que QUEREMOS proteger esses tais glucosinolatos 🙂

No entanto, outros nutrientes podem ficar mais disponíveis para o corpo após o cozimento. Por exemplo, cozinhar pode aumentar a quantidade de licopeno nos tomates, que é um antioxidante que ajuda a prevenir o câncer (Rao y Agarwal, 2000). Os espinafres contêm ácido oxálico, que pode ligar-se ao cálcio e diminuir a sua absorção. Cozinhar os espinafres pode reduzir o conteúdo de ácido oxálico e aumentar nossa absorção de cálcio.

Tenha em mente que a maneira como cozinhamos faz uma grande diferença na retenção final de nutrientes. Enquanto cozinhar a vapor pode melhorar os valores de glucosinolatos, carotenoides e ácido fólico no brócolo, ferver tem o efeito oposto. Embora na Konciencia não recomendemos uma dieta rica em grãos, sabemos que é parte de muitas culturas e cozinhas. Se este for o seu caso, deve saber que cozinhar DEMAIS o feijão, as lentilhas e o grão-de-bico reduz drasticamente a quantidade de vitaminas… foi observada uma redução de folato (vitamina B9) de até 50%! No entanto, há evidências de que deixar os feijões de molho em água salgada, descartar essa água e depois cozinhá-los em água fresca é a melhor maneira para reduzir o tempo de cozedura, manter mais nutrientes bons e livrar-se de «anti-nutrientes», o que pode reduzir a possibilidade de ter problemas gástricos (Fabbri & Crosby, 2016).

E quanto às carnes? O mesmo é válido. Alguns nutrientes são perdidos enquanto outros se tornam mais biodisponíveis (biodisponibilidade = facilidade que o corpo tem para absorver nutrientes) após o cozimento. O método de cozimento continua a afetar muito o resultado final. Por exemplo, um estudo publicado em 2022 indicou que o valor nutricional da carne de ganso muda quando cozida a vácuo, no microondas ou como guisado. Foram observadas mudanças significativas na quantidade de magnésio, ferro, chumbo, zinco, cálcio, sódio e potássio (Wereńska et al., 2022). Por outro lado, lembramos que cozinhar a carne a altas temperaturas, como na grelha ou fritura, pode criar compostos carcinogénicos chamados aminas heterocíclicas (AHC) e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAP) (Sinha et al., 1998Joshi et al., 2015).

Independentemente do valor nutricional da carne, é importante lembrar que cozinhar a carne à temperatura adequada pode ajudar a matar bactérias nocivas, como Salmonella e E. coli. Se vai comer carne de vaca crua ou mal passada, certifique-se de que o gado foi alimentado com pasto, que a carne vem de uma fonte confiável, produzida eticamente e sem o uso de hormônios ou antibióticos. Sim, faz muita diferença!

Se vai comer peixe cru, evite algumas espécies-chave. A cavala, o peixe-espada, o peixe-rei, o tubarão, o peixe agulha e o atum contêm altos níveis de mercúrio (Veja figura abaixo retirada de Edward Zillioux, 2015). Mulheres grávidas, amamentando ou planejando ter uma família devem evitar comer estes peixes. O mesmo deve ser feito por crianças menores de seis anos. O atum enlatado, que é tão popular, continua a ser arriscado… Recomendamos que simplesmente reduza o consumo de atum. Se você ou seus filhos decidirem comer atum enlatado regularmente, fiquem com o atum claro ou listrado, e limitem a menos de duas porções por semana. Nós em casa deixamos de comer atum há anos. Sentimos falta dele, mas menos falta nos faz uma porção de mercúrio. Supostamente uma mulher de 58-59kg pode comer quase duas latas de 170g de atum claro (light tuna) por semana e permanecer dentro da zona segura de mercúrio recomendada pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (Environmental Protection Agency) ou EPA, e que uma criança de quatro ou cinco anos deve comer menos de ~100g de atum claro (light tuna) por semana. E para complicar um pouco mais as coisas, as regras mudam quando se trata de atum branco (Albacore tuna). As crianças devem evitar completamente esse peixe, e as mulheres em idade fértil devem limitar-se a não mais de ~100g por semana… bem, isso é o que a EPA diz… mas a Konciencia te diz que não vale a pena nem o risco nem apoiar o mercado desses peixes.

 

E o sushi? Faça escolhas de sushi mais seguras. Os peixes de sushi populares são frequentemente os principais predadores da cadeia alimentar, por isso tendem a ter um alto teor de mercúrio. Se estiver grávida, amamentando ou planejando ter uma família, pode reduzir a exposição ao mercúrio do sushi evitando todos os tipos de atum, cavala, robalo e jurel. Os peixes e mariscos como a enguia, o salmão, o caranguejo e a vieira têm menos mercúrio. Em caso de dúvida, quanto mais pequeno for o peixe, melhor. Esqueça os grandes predadores e escolha os pequenos, como as anchovas, as sardinhas e as vieiras, que têm muito menos mercúrio.

Qual é a conclusão? Os alimentos crus tendem a ter mais nutrientes disponíveis e fazem sentido, já que evoluímos comendo principalmente alimentos crus. No entanto, alguns nutrientes podem ser desbloqueados após o cozimento. Ou seja, não se rotule. Como caçadores e coletores, passamos a maior parte de nossa evolução comendo o que estava disponível. O que fazemos nós do Konciencia? Na nossa família, temos períodos de comer apenas alimentos crus e períodos com alimentos crus e cozidos. Esta semana, por exemplo, estamos na semana de apenas alimentos crus e nos sentimos incríveis! Temos a sorte de viver num local onde é fácil encontrar vegetais e carnes frescas e de boa fonte. E você? Vai conhecer os seus agricultores, peixarias e açougues locais… talvez tenha uma surpresa deliciosa e possa começar a desfrutar de uma boa dose de comida crua. Experimente você mesmo e veja como se sente. Esta é a melhor maneira de descobrir.

Quando cozinhar, preste atenção nas seguintes orientações:

  • O tempo que um alimento é exposto ao calor afeta seu conteúdo de nutrientes. Quanto mais tempo um alimento é cozido, maior a perda de nutrientes.
  • Ferver resulta na maior perda de nutrientes. Cozinhar a vapor, assar e refogar (por pouco tempo) são alguns dos melhores métodos para cozinhar vegetais quando se trata de retenção de nutrientes.
  • As vitaminas B são sensíveis ao calor. Até 60% de tiamina, niacina e outras vitaminas B podem ser perdidas quando a carne é cozida e seus sucos são perdidos. No entanto, ao consumir o líquido que contém esses sucos, quase 100% dos minerais e 70-90% das vitaminas B são recuperados.
  • A melhor maneira de comer ovos? A gema contém praticamente toda a gordura, minerais e vitaminas, então queremos que ela esteja o mais crua possível. (A gema também tem proteína! Na verdade, grama por grama, a gema tem mais proteína do que a clara, com 16,4% de proteína versus 10,8% na clara… Mas nos acostumamos a pensar na clara como a fonte de proteína do ovo porque há mais volume de clara do que de gema). A clara contém principalmente proteínas e, em termos de cozimento, essa proteína é 180% mais digerível quando cozida do que quando crua (P. Evenepoel et al., 1998).
  • E sobre o cozimento lento? A maioria das panelas de cozimento lento geralmente oferece duas opções de temperatura, baixa e alta. Baixa temperatura significa cerca de 80 a 90 graus Celsius (176-194 graus Fahrenheit), enquanto alta temperatura significa entre 140 e 150 graus Celsius (284-302 graus Fahrenheit). Por todos os motivos acima, se você cozinhar com uma panela de cozimento lento em baixa temperatura e consumir o caldo que sai de seus alimentos é muito provável que você mantenha a maior parte de seus nutrientes. Em casa, nossa panela de cozimento lento é a panela mais usada, abusada, explorada… nós a amamos.

Esperamos que essa informação seja útil pra você melhorar ainda mais a maneira como você se alimenta.

 

Muito amor da sua equipe Konciencia.

 

Mercurio em peixes
Species variations in mercury content (ppm) (Source: John Blanchard (Sources: FDA and EPA), Sierra Magazine, Nov/Dec 2011)

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